16 out 09
inspiração
Entrevista com Cristiane Dias, da Raruti
por Claudia

Linha Rupestra (1)

Levante a mão quem já viu esses produtos. Para quem não se lembra exatamente onde viu, aqui vai a dica: eles estão à venda em nas lojas da Tokstok. Algumas de vocês também já podem tê-los visto em revistas de decoração ou até mesmo no cenário de algum filme nacional ou novela. No meu caso, foi na Tokstok mesmo – eu adorava xeretar os produtos da parte ‘supermercado’ da loja.

Vou contar como conheci a Cris. Estou eu em Londres, no ano passado, e uma amiga brasileira me pergunta se eu queria acompanhá-la em uma visita ao museu. Ela iria com uma amiga de Brasília, que estava passando uma semana na cidade após uns dias em Paris, onde tinha participado de uma exposição de artesanatos. Topei o passeio e lá fomos nós. Mais tarde, almoçando em um pub, descubro que a amiga da minha amiga era a *criadora* da linha Rupestra, os produtos da foto aí de cima. O que começou como um papo de bar entre amigas quase virou uma entrevista, tamanha a minha curiosidade pelo trabalho da Cris.

Muitos meses se passaram. Resolvi retomar os detalhes daquele dia e trazer para o Superziper. Faz tempo que a gente não falava de craft business por aqui, não é? Achei que essa experiência era perfeita pra contar como exemplo de terceirização.

No caso da Cris, que é designer, a linha Rupestra nasceu de um projeto acadêmico, da época em que ela fazia mestrado em Londres, e chegou as prateleiras de um grande magazine. Independente da proporção que tomou, achei que valia a pena compartilhar a história. Serve para mostrar como as coisas acontecem, novos caminhos, possibilidades de terceirização de produção e conceitos de design. E também permite que quem tem ideias de desenvolver seus próprios produtos possa ter sonhos mais altos. Aposto que vocês vão gostar, o projeto todo é encantador.

Cristiane Dias, da Raruti

Esta daí é a Cristiane Dias. A Cris mora em Brasília e tem sua própria empresa de design, a Raruti. Ela é publicitária de formação, pela Universidade de Brasília – UnB. Apaixonada por arte, cultura brasileira e outras culturas, fez mestrado em design pela Central Saint Martins. É cheia de contrastes – gosta de barro e adora tecnologia, é militante da preservação da memória nacional, mas também tem seu lado modernista.

Claudia – Oi Cris, conta da época que você estudou em Londres ?
Cris – Foi uma das melhores épocas da minha vida! Viver o contraste da vida inglesa me trouxe para mais perto do Brasil. Como sou apreciadora de tudo o que é diferente de mim, curti Londres felicíssima sem comparações saudosistas. Os ingleses pode sem formais, meio secos, mas são sem dúvida um povo distinto. Aprendi muito nas escolas que estudei, sobretudo na Saint Martins, que apesar de não ser uma escola difícil, me proporcionou estudar com pessoas do mundo inteiro e me instigou a pensar de outras formas. Viver fora de nosso habitat é uma experiência que só nos engrandece, recomendo a todos!

Claudia – E como, vivendo na Europa, você escolheu pinturas rupestres para o tema do seu mestrado?
Cris – Ainda no Brasil, quando eu trabalhava no IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, já tinha fascínio pela estética pré-histórica, não só as pinturas como os objetos. Apesar de publicitária, sempre fui péssima vendedora. Na verdade tenho mais alma de artista que de publicitária, daí quando estava no mestrado, a questão da comercialização da arte e do design foi ficando forte para mim, o curso era sobre estudos em design mas falava de marketing também, é claro. Gosto de criar, mas o desafio do artista é produzir e vender, então coloquei na cabeça que desenvolveria uma linha com uma cara pré-histórica e meu desafio seria colocá-la no mercado. Isso só aconteceu dois anos depois de concluído o mestrado, já no Brasil.

Cláudia – Conta sobre o processo com a Tokstok ?
Cris – No início achei que não tinha muito haver com a linha deles, depois de ouvir algumas opiniões resolvi procurar um amigo de graduação, que trabalhava na central da Tokstok em São Paulo. Ele me ajudou abrindo as portas para apresentar o produto. Na época, ele foi claro dizendo que não poderia garantir nada, mas que apresentaria a linha Rupestra ao comitê de novos produtos. Passados uns 3 meses ele me liga dizendo que linha tinha sido aprovada por unanimidade!

Cláudia – Mas como foi? O que exatamente você apresentou?
Cris – Protótipos. Algumas lojas preferem um folder antes, num primeiro contato, mas depois pedirão amostras. A Tokstok pede amostras.

Linha Rupestra (2)

Cláudia – Bom, continua. Você disse que tinha sido aprovada e …
Cris – Sim, fiquei super feliz e com um medo louco se conseguiríamos atendê-los. Confesso que no início foi caótico, imagine transportar cerâmicas do sul do Piauí para São Paulo! Era uma verdadeira epopéia, e ainda é, pois a oficina fica no meio do mato, estrada de terra, nas proximidades do Parque Nacional Serra da Capivara. Mas hoje em dia, depois de quase 7 anos é fluído, difícil, trabalhoso, mas fluído. Até o telefone e a internet chegaram na oficina! Aprendemos muito…

Cláudia – Mas então quando você apresentou a linha Rupestra, já tinha nome, o esquema de produção já estava acertado, tinha preço e tudo mais?
Cris – Sim, já tinha nome, como foi um projeto de mestrado eu desenvolvi essa parte durante o curso, o conceito, nome e até um pequeno folder com fotos e explicação da coleção. Quando procurei a Tokstok, a linha já estava em produção, isso é básico antes de procurar uma loja. Lojista quer produto acabado e pronto para a prateleira. Minha fornecedora já tinha um know how em produção de pequena escala, mas tínhamos vendido apenas na exposição de lançamento, onde surgiram algumas encomendas de particulares. Também já tínhamos preço, mas teve muita negociação e adaptação às condições deles(embalagem, códigos de barra, transporte, impostos, etc). Acho importantíssimo o produto ser testado em pequena escala antes, depois, se surgir uma demanda de loja, ela também será gradual.

Cláudia – Uma vez criado e aprovado, como foi decidir a formatação das outras etapas, tipo produção e logística?
Cris – A produção e logística realmente ficaram por conta da minha fornecedora. Eu cuidei basicamente das novas peças que nos foram solicitadas ao longos dos anos. Agora, a Tokstok tem todo um padrão pré-estabelecido, então já sabíamos que eles queriam caixas com 24 peças, códigos de barra em cada peça e caixa, que não aceitam cargas sujas e amassadas, que tem horários de entrega etc. Tivemos que nos adaptar, eles são os gigantes, mas são muito organizados.

Cláudia – Hoje mudou muita coisa? Houveram adaptações? A linha cresceu, diminuiu?
Cris – Mudou, depois de quase 7 anos muita coisa muda. A linha cresceu, encolheu, atualmente é o que era no início cinco ítens (jantar sobremesa, sopa e café), chegou a ter 12 ítens incluindo linha de banheiro e até lençóis. Eu propus peças eles pediram outras, algumas não vingaram, outras fizeram muito sucesso. Atualmente a linha vende bem menos, mas como eles continuam pedindo, está ótimo. Não sabemos até quando a Rupestra terá fôlego, mas sem dúvida ela é uma caso de sucesso de vendas e aceitação no país. A meu ver, minha tese sobre produtos com a cara do Brasil se concretizou com essa cerâmica. Nós gostamos de nos identificar com nossas raízes. Isso é forte e pode vender muito.

Cláudia – Você pensa em lança novas linhas?
Cris – Acabo de aprovar uma linha nova, se chama Koripó, é uma homenagem aos indígenas dizimados do Piauí, também produzida na Serra da Capivara. Foi lançada faz pouco tempo e já está nas lojas. Minha linha de desenvolvimento é bem étnica.

Cláudia – Hoje qual o foco da sua empresa?
Cris – Ainda me dedico muito ao design gráfico, mais do que gostaria, apesar de desenvolver projetos quase sempre na área de patrimônio histórico. Gostaria de ter mais tempo para me dedicar a novos produtos culturais. Mas a demanda por produtos gráficos ainda é bem grande. Mas minha tendência é tentar investir mais na área de produtos que divulguem e valorizem nossa cultura. O desafio é ser menos artista no tempo das criações e um pouco mais ágil com o tempo do mercado. Se não, a vida passa.

Cláudia – Quais dicas vc daria para pessoas que querem apresentar seus projetos, produtos ou linhas para lojistas?
Cris – Que produzam boas fotos, uma linda brochura ou folder, um kit bacana com produto, embalagem e folder. Mas vale fazer os contatos primeiro e descobrir o que eles preferem. No geral, um bom impresso sempre passa uma idéia de profissionalismo.

Cláudia – E o que você acha de lojas virtuais, pretende vender pela internet?
Cris – Não. Cerâmica é um produto complicado e a venda direta para consumidor final é muito trabalhosa. Prefiro trabalhar com lojas, a frequência é mais certa, eles sempre precisam de produtos, já o consumidor direto nem sempre. Acho a internet fantástica, mas é um modelo de negócio que particulamente não me atrai. Se o artesão pretende fazer venda direta, então é um bom canal para iniciar o negócio, no entanto tem que haver muita proação, divulgação na própria net, rede de relacionamentos, etc, para que haja retorno. Na loja, o lojista cuida disso e o comprador vai até lá. O produtor ganha menos mas consegue ter mais tempo para criar e produzir. As cadeias existem não é a toa, seria ótimo se não existissem intermediários, mas infelizmente é muito difícil conseguir, criar, produzir e vender em escala.

Linha Rupestra (3)

Cláudia – Alguma mensagem para crafters que investem no desenvolvimento de produtos com uma cara própria?
Cris – Acho que muito artesão não gosta da figura do intermediário ou tem medo da produção em escala. O importante é a franqueza na hora das negociações, e começar pequeno é ótimo, a gente cresce conforme nossas pernas. Eu confesso que dei um passo meio largo com a Tokstok, mas minha fornecedora já tinha infra e segurou o rojão, para ela foi uma oportunidade ímpar que deu muita visibilidade à oficina.

Esta entrevista ficou grande né? É que não consegui cortar o texto. Achei que eram tantas dicas boas que seria um desperdício editar as respostas. Eu achei a experiência da Cris super inspiradora. Espero que sirva de inspiração ou, no mínimo, de reflexão. E no melhor dos mundos, que motive os crafters que querem crescer a buscar outros caminhos como a terceirização.

Como sempre, o espaço está aberto para a sua opinião nos comentários.

E muito obrigada a Cris Dias por compartilhar conosco a sua história.

*************
Também no Superziper: Todos estes pratos, xícaras e tigelas da Cris me fizeram lembrar de uma dica boa para quem, como eu, destesta secar louça. Leia mais aqui!

13 ZigZags
  1. Gabi disse:
    16 de outubro de 2009 às 13:32

    ADOREI!!

    Gostei muito de saber sobre essa história dela. As vezes, as coisas começam de um jeito, sem pretensão de nada e se tornam realidades paupáveis.

    Parabéns para ela :)

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  2. Anonymous disse:
    16 de outubro de 2009 às 15:58

    Não achei a entrevista grande. Fez muito bem em não editar.
    Agora da próxima vez que for a Tokstok vou fazer questão de conhecer as peças e quem sabe adquiri-las.
    Abraço
    Ângela

    Responder
  3. Anonymous disse:
    16 de outubro de 2009 às 18:01

    Esse site é ótimo!
    Vcs abordam as questões crafters de uma maneira interessante.
    Obrigada a Cristiane por dividir a história conosco!
    Beijos e até!

    Fernanda

    Responder
  4. 16 de outubro de 2009 às 19:15

    que legal! =)
    acho mto bacana estas parcerias entre design e artesanato, e é ainda melhor qdo tem uma loja que valorize e viabilize essas iniciativas.

    valeu pela entrevista

    Responder
  5. 18 de outubro de 2009 às 01:10

    Oi, meninas!

    Sempre achei super interessante essa linha da TokStok! Até tenho um prato… Bom saber como surgiu ;D

    Faz muito tempo que leio o blog de vocês, mas estou comentando hoje só pra contar isso: apesar de não nos conhecermos, sonhei que vocês duas vinham tomar um café comigo aqui em Fortaleza! Meio absurdo… Talvez tenha sido influenciada pelo post da Hello Kitty, não sei. Mas o sonho foi muito fofo, como eu imagino que as duas são ;)

    Parabéns pelo blog!

    Responder
  6. Elisa disse:
    18 de outubro de 2009 às 01:27

    uau! quanta história por trás das peças, né não? me surpreendi.

    várias vezes olhei pra essa linha nas prateleiras e me identifiquei, mas acabo sempre levando as coisas mais modernetes, com cores vibrantes. adoro a forma dos objetos, bem orgânica, irregular. dá vontade de beber ou comer ali. lindo.

    amei a entrevista, e por favor nada de cortes!!
    bjo meninas!

    Responder
  7. Fabi disse:
    19 de outubro de 2009 às 11:12

    Sensacional! Quem conhece a Cris sabe que a Rupestra é somente uma das suas facetas criativas! Parabéns pela matéria! Adorei o blog!

    Responder
  8. Alys disse:
    19 de outubro de 2009 às 11:53

    Cláudia, Parabéns pelo blog e pela entrevista com a Cris. Com certeza servirá de grande motivação. A Cris é gente que emociona, luta e faz acontecer! Sucesso ao blog e Cris Dias!

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  9. Augusto disse:
    20 de outubro de 2009 às 08:47

    Grande Cris!

    Parabéns pelo trabalho e continue fazendo sucesso com as novas criações!

    Guto

    Responder
  10. Grace disse:
    20 de outubro de 2009 às 21:45

    Parabéns pela entrevista!
    Cris, para mim e para meu filho Pedr, Titi, é um uma pessoa linda, talentosa e batalhadora. Seu trabalho, também na área do design gráfico é maravilhoso. Abraços, Grace

    Responder
  11. Manu Da Rin disse:
    22 de outubro de 2009 às 10:45

    Em primeiro lugar parabens pelo blog, não sou uma pessoa internauta e adoro quando recebo dos amigos esses links interessantes que tem muito a nos ensinar. E em segundo lugar …Essa Cris é meu orgulho!!!! Essa menina é pura batalha. Conto para todo mundo que tenho uma amiga "artista". PARABENS a todos que lutam pelos seus sonhos.

    Responder
  12. carolina disse:
    22 de outubro de 2009 às 22:55

    Nossa, adorei!!! meu pai é do piauí, já tínhamos essas peças aqui em casa antes de serem vendidas na tok stok… inclusive umas de outras cores (azul) muito bonitas.

    Responder
  13. 23 de outubro de 2009 às 18:49

    Adorei saber mais da criação dessas peças. Eu tenho as xícaras. Acho elas super brasucas e super originais.
    Parabéns pela matéria.
    Beijão !

    Responder
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